Quem mandou matar Marielle?
Prisão de executores de Marielle revela teia de relações criminosas no Rio
Escrito por: Maurício Thuswohl, especial para a RBA • Publicado em: 18/03/2019 - 17:13 • Última modificação: 28/10/2024 - 09:06 Escrito por: Maurício Thuswohl, especial para a RBA Publicado em: 18/03/2019 - 17:13 Última modificação: 28/10/2024 - 09:06A prisão dos executores do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, efetuada na terça-feira (12), trouxe à luz do dia uma complexa teia de relações criminosas na qual se entrelaçam diversos casos que marcaram a segurança pública do Rio de Janeiro nas últimas décadas. Apontados, respectivamente, como o homem que disparou contra as vítimas e como o motorista do carro utilizado no crime, o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-policial Élcio Vieira de Queiroz têm um histórico no qual se misturam referências a assassinatos de autoridades, chacinas e relações com a contravenção e as milícias.
Com ficha limpa, inúmeras gratificações salariais por “atos de bravura” e até mesmo uma moção de louvor recebida em 1998 na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) por sua “eficiência e brilhantismo em serviço”, Ronnie Lessa deixou a PM em 2009 após perder a perna esquerda em um atentado a bomba jamais esclarecido. Apesar de ficha limpa, o sargento reformado é citado no inquérito policial que levou a sua prisão como “matador de aluguel” e “atirador reconhecido por sua precisão e frieza”.
Nos últimos anos, segundo as investigações, Lessa teria se tornado um membro destacado do chamado Escritório do Crime, grupo de ex-policiais e matadores de aluguel que presta “serviços” às milícias que hoje controlam parte da cidade do Rio de Janeiro. O inquérito aponta que Lessa atuava de forma próxima ao ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, fundador e chefe do Escritório do Crime e considerado foragido desde o início do ano. Nóbrega, por sua vez, sempre teve excelente trânsito entre alguns setores da política e chegou a conseguir emprego para a mãe e a mulher no gabinete do então deputado estadual – e hoje senador – Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Também apontado como integrante, embora menos “graduado”, do Escritório do Crime, Élcio Vieira de Queiroz é outro que mostra a ligação do grupo com a política, pois é filiado ao DEM e teria cogitado até mesmo uma candidatura a vereador nas últimas eleições. Antes de ser expulso da Polícia Militar em 2011 em consequência de suas ligações com o jogo do bicho e a máfia dos caça-níqueis, o motorista do carro que conduziu Lessa ao fatal encontro com Marielle e Anderson atuou como adido (funcionário cedido) da PM junto à Polícia Civil, período em que se aproximou dos caciques da contravenção.
Cavalos Corredores
Mas a teia de relações criminosas não para por aí. Egresso do Exército, Ronnie Lessa chegou à PM do Rio em 1992 para trabalhar no batalhão de Rocha Miranda (9º BPM) e, segundo as investigações, com algumas semanas de serviço já era reconhecido nos relatórios de seus superiores como “homem valoroso em ações no terreno” e “policial positivamente operacional”. Antes dos 25 anos já havia recebido diversas vezes gratificações salariais por “atos de bravura”, batizadas pela população na época de “gratificação faroeste”, com as quais o governo de Leonel Brizola (PDT) agraciava policiais que faziam confrontos diretos com traficantes.
Muito elogiado, Lessa fez o curso de Operações Especiais da PM, mas, ainda assim, preferiu continuar no batalhão de Rocha Miranda do que ir para o Bope. Detalhe: seu comandante direto no 9º BPM era o então capitão Cláudio Luiz Silva de Oliveira, condenado a 36 anos de prisão por ser o mentor do assassinato da juíza federal Patrícia Aciolli, que julgava ações contra policiais, em 2011.
Embora ainda soldado, Lessa teve ascensão meteórica no “ranking interno” dos companheiros de farda e logo passou a fazer parte do grupo, paralelo à PM, conhecido como Cavalos Corredores, especializado em execuções e atentados. Os Cavalos Corredores são tristemente conhecidos mundialmente como executores em 1993 da Chacina de Vigário Geral, quando 21 moradores da comunidade foram brutal e aleatoriamente assassinados em represália a traficantes que, na véspera, haviam matado quatro policiais. Não há registro, no entanto, de que Lessa tenha participado da chacina.
Em 2000, Lessa, segundo as investigações, passou a trabalhar paralelamente na segurança do contraventor Rogério Andrade, sobrinho do lendário bicheiro Castor de Andrade, falecido em 1997. Na época, coincidente com a multiplicação das máquinas caça-níqueis em todo o Rio de Janeiro, Rogério travava uma sangrenta guerra com Fernando Ignácio (genro de Castor) pelo espólio e território deixados pelo tio.
Nove anos depois, já considerado um dos auxiliares mais próximos a Rogério, Lessa foi vítima de um atentado a bomba no qual perdeu uma das pernas. O mesmo tipo de explosivo seria utilizado no atentado que em abril de 2010 mandou o carro de Rogério pelos ares, mas acabou matando por engano seu filho Diogo, de apenas 17 anos. Lessa, segundo o inquérito, teria sido dispensado pelo sobrinho de Castor logo depois. Alguns anos mais tarde, já reformado pela PM, o ex-sargento se aproximaria de Adriano Magalhães da Nóbrega e do Escritório do Crime.
Quem mandou matar?
As relações de Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz com bandidos, milicianos e políticos reforçam a pergunta que faz toda a sociedade brasileira: quem mandou matar Marielle Franco? Após a estranha declaração do então delegado responsável pelas investigações na Delegacia de Homicídios, Giniton Lages, de que até então tudo indica que o crime teria sido decidido pelos próprios executores, espera-se que estes possam dar mais informações.
Mas, se isso acontecer, não será nos próximos dias. Nesta sexta-feira (15), quando, acompanhados de seus advogados, foram levados para depor na DH, tanto Lessa quanto Queiroz optaram por se manter em silêncio e só prestar declarações em juízo. Eles, no entanto, não apresentaram álibis para o dia do crime e permanecem presos em Bangu 1, aguardando transferência para um presídio federal.
Apesar do silêncio, as investigações apontam um forte indício de que a morte de Marielle tenha sido encomendada. Em outubro do ano passado, alguns meses após o crime, Lessa, que tem salário de cerca de R$ 7 mil, fez um depósito de R$ 100 mil em espécie na própria conta, em imagem flagrada pelas câmeras da agência bancária. O depósito foi classificado como suspeito pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o dinheiro posteriormente investido na compra de uma lancha. Na primeira denúncia anônima que apontou Lessa como o executor de Marielle, feita à DH no mesmo mês de outubro, consta a informação de que o sargento reformado teria recebido R$ 200 mil para matar a vereadora. Resta saber de quem.
Fonte: RBA