Por Valdete Souto Severo
A tarefa, portanto, num encontro em que o tema será abordado por tantos e tão autorizados intérpretes e estudiosos do direito do trabalho, é apontar um aspecto específico, no qual seja possível por luz. Esse aspecto é o da relação direta entre terceirização e racismo. Muitos estudos apontam que a terceirização, além de tudo o mais que provoca em termos de retrocesso social, tem estimulado o estigma da diferença, aumentando a segregação e sublinhando as diferenças entre mulheres e homens, brancos e negros.
Segundo a pesquisadora Patricia Galvão, da UNICAMP, terceirização tem raça e gênero: os serviços de limpeza e manutenção, por exemplo, mantém a maioria absoluta de mulheres negras como empregadas. Trata-se da reprodução de uma cultura que admitiu (e em certa medida ainda admite) a escravidão e que é pautada pela ideia de que as mulheres são mais aptas às tarefas domésticas. Dados revelados por uma pesquisa do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Rio de Janeiro apontam que 92% dos trabalhadores nos serviços de limpeza terceirizados são mulheres, enquanto 62% são negros. Dados do Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas apontam que em 2009 existiam 7,2 milhões de brasileiros trabalhando na limpeza, cozinha e manutenção de casas e escritórios, dos quais 93% do total (cerca de 6 milhões) eram mulheres e 61,6% do total (4 milhões) eram negros e negras. A taxa de desemprego em 2009 era de 12% entre mulheres negras, comparada a 9% para mulheres brancas, 7% para os homens negros e 5% para homens brancos.
De acordo com o mesmo instituto, IPEA, em 2011 a taxa de escolarização de mulheres brancas era de 23,8%, enquanto entre mulheres negras era de apenas 9%. Nesse mesmo ano, a renda média das mulheres negras era equivalente a 30,5% da renda percebida pelos homens brancos.
Por fim, a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) de 2013, aponta que 70,6% das mulheres negras que trabalham nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal estão nos setores de serviços, na sua enorme maioria já como terceirizadas. Nos serviços de telemarketing a escolha de mulheres, negros e negras, para o trabalho, é por vezes justificada pela invisibilidade que esse trabalho promove. Longe dos olhos do consumidor, o atendente não precisa preencher o requisito perverso e racista da "boa aparência". A aprovação do PL 4330 não altera essa realidade, antes a sublinha e, por isso mesmo, atinge diretamente e com especial crueldade negros e mulheres. É importante perceber: as principais atividades que sofrem há décadas com a terceirização são aquelas consideradas, a partir dos termos ilegais e precarizantes da súmula 331, como atividades-meio. Por isso, a discussão em torno dos limites possíveis à terceirização revela-se um engodo. Por isso, nossa luta deve ir além do PL 4330, firmando-se como contrária a qualquer forma de regulamentação ou permissão da terceirização na relação de trabalho.
Embora o projeto seja nocivo e por isso mereça incansável combate, o mal que a terceirização causa o antecede e supera. Estamos já há algum tempo convivendo pacificamente numa sociedade em que parte expressiva da população é tratada como trabalhador de segunda classe. Ontem, em um ato público contra a terceirização em São Paulo, um sindicalista propôs que definíssemos, de uma vez por todas, o empregado como aquele que exerce atividades permanentemente necessárias ao desenvolvimento da empresa. É esse o conceito de subordinação com que a doutrina contemporânea já trabalha. É esse o conceito da CLT. Precisamos apenas torná-lo efetivo, reconhecendo sua completa incompatibilidade com qualquer forma de atravessamento de terceiros na relação entre capital e trabalho. Na realidade da vida, isso significa reconhecer e combater a invisibilidade, a segregação e o racismo!
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Por Valdete Souto Severo Juíza do Trabalho na 4ª Região (RS)