Internet.org do Facebook só interessa ao Facebook

07/07/2015 - 11:22

O serviço gratuito básico oferecido pelo Internet.org, na verdade, é o acesso à rede social Facebook e a outros aplicativos desenvolvidos por seus parceiros

Embora metade dos brasileiros ainda não tenha acesso à internet (IBGE 2015), iniciativas como o Internet.org, liderado pelo Facebook, estão longe de ser uma solução adequada para garantir a entrada dessa parcela da população na rede mundial de computadores. O alerta foi dado por representantes de entidades da sociedade civil durante audiência pública realizada esta semana (30/6), na Câmara dos Deputados, para discutir o possível acordo entre o governo brasileiro e a corporação. Para os ativistas, o desafio da conexão à internet no Brasil deve ser enfrentado a partir da presença e da responsabilidade do poder público, com a complementaridade do setor privado, mas observando as legislações em vigor e a garantia de neutralidade da rede e da livre circulação de ideias e informações, o que o Internet.org não possibilita.

O serviço gratuito básico oferecido pelo Internet.org, na verdade, é o acesso à rede social Facebook e a outros aplicativos desenvolvidos por parceiros, ou seja, não significa acesso à internet, mas a um conteúdo pré-definido e não escolhido pelo usuário. Até o momento, a iniciativa foi lançada em 15 países: Colômbia, Guatemala, Bolívia, Zâmbia, Tanzânia, Kenia, Gana, Malawi, Angola, Senegal, Índia, Bangladesh, Paquistão, Filipinas e Indonésia. 

Iniciativa não permite acesso à internet, mas ao Facebook

A principal preocupação dos movimentos sociais, que deram voz à sociedade civil durante a elaboração do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), é que o Internet.org não representa, de fato, acesso à rede, mas acesso ao Facebook. “Entendemos que o acesso restrito a determinadas aplicações e conteúdos contraria a neutralidade de rede e viola direitos do consumidor”, refirmou a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, conselheira jurídica da Proteste e representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br). 

Para Lefèvre, o real objetivo do Facebook é “fisgar usuários para a plataforma do Facebook e para as empresas parceiras que atuam em infraestrutura e desenvolvem conteúdos e aplicações, ampliando seu poder de comercializar publicidade no mundo inteiro”.  Renata Mielli, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), afirmou que a discussão sobre acesso à internet no Brasil não pode acontecer de forma isolada, mas como uma continuidade dos debates que culminaram no Marco Civil da Internet. “Defendemos universalização da internet, e não universalização do Facebook”, provocou. Mielli também ressaltou que os movimentos sociais não se opõem a modelos de negócio do Facebook ou de qualquer outra empresa, mas à possibilidade de que a conexão à internet seja prestada apenas pelo mercado privado e de forma precária e enganosa. 

A ativista afirma que a disputa política e econômica em torno da internet hoje está justamente assentada no conceito de acesso integral e livre. “É preciso adotar políticas públicas e investir na expansão da infraestrutura, garantir que as pessoas possam ter livre acesso a informação e serviços públicos, produzir e compartilhar conteúdos, decidir que aplicativos usar. Enfim, exercer sua cidadania e ter direito ao mesmo tipo de conexão que a parcela conectada já tem. A aprovação do Marco Civil não encerrou essa disputa”. 

Enclausuramento da internet

Para as ativistas, o Internet.org não é internet, porque não oferece acesso gratuito à rede. “O que ele faz na prática é enclausurar a internet na timeline no Facebook, da qual o usuário não poderá sair, já que a parceria da rede social com as teles não inclui esse acesso livre”, alertou Renata Mielli. 

Veridiana Alimonti, representante do Coletivo Intervozes, lembrou que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como principal objetivo promover o direito de acesso à rede para todos, o que não é possível por meio do aplicativo Internet.org. “Quando a gente discute isso é necessário ter duas imagens na cabeça: a primeira, de uma rede mundial de dispositivos e pessoas conectadas, trocando informações, criando e publicando vídeos, por exemplo. A outra imagem é de uma fração ínfima disso tudo, com texto e imagens de baixa resolução, sem vídeos, sem voz sobre IP e sem a possibilidade de acessar conteúdo externo ao Facebook, exceto aquele produzido por seus parceiros”. 

Governo ainda estuda parceria

Miriam Wimmer, diretora do Departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações (MiniCom), reafirmou o que o governo vem divulgando desde abril, quando a possibilidade do acordo foi anunciada na imprensa: que não firmou nenhum acordo com o Facebook, e que a iniciativa está sendo estudada pelo grupo de trabalho formado no início de junho pelos Ministérios da Comunicação, da Ciência e Tecnologia e da Justiça.  

O vice-presidente da Anatel, Marcelo Bechara, afirmou que a obsessão do governo deve ser levar a internet aos cem milhões de brasileiros que ainda estão desconectados, independentemente do tipo de acesso. “A preocupação não deve ser a discussão de modelos de negócios”, afirmou. Ressaltando que a Agência ainda não tem posição formal e oficial sobre o assunto, ele afirmou que o governo pode exigir que o Facebook ou o Google contribuam decisivamente com a ampliação da capacidade de inovação no país e que não adianta discutir se o programa irá trazer “internet de pobre”, mas pensar que metade da população não tem nenhum acesso à rede.