Referência quando o assunto é mercado de trabalho, o livre docente e pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, Márcio Pochmann, fala nesta entrevista sobre os impactos da terceirização para os empregos no Brasil. Para ele, o projeto de lei que regulamenta a pratica no país, atualmente em tramitação no Senado (PLC 30/2015), não afeta os terceirizados, mas sim, os não terceirizados.
Confira abaixo o que muda para os assalariados, para a previdência e para o país na avaliação do especialista.
SINTPq: Qual o impacto do PLC 30 para o mercado de trabalho?
Se aprovado no Senado, ele (o PL) tem a qualidade de uma reforma trabalhista, na medida em que aquilo que anteriormente era uma parte do funcionamento do mercado de trabalho passaria agora a incorporar o restante dos trabalhadores. Estudos apontam que terceirizados recebem bem menos que os trabalhadores não terceirizados, além de estarem submetidos a uma taxa de rotatividade bem maior, sem mencionar ainda os impactos sobre a saúde, com exposição a doenças e acidentes de trabalho que seriam mais intensos sobre esse tipo de trabalhador. A luta sindical e parlamentar era basicamente para regular as condições do trabalho terceirizado, evitando esses problemas. Entretanto, o que nós estamos testemunhando é justamente o contrário. Essas formas contratuais de terceirização poderão acabar envolvendo os demais trabalhadores, o que seria um rebaixamento generalizado das condições de trabalho no Brasil.
SINTPq: Então, na sua avaliação, o projeto que hoje tenta regulamentar a terceirização piora as condições de trabalho e não oferece justamente essa segurança jurídica que os terceirizados precisariam ter.
Certamente. Na verdade ele significaria uma mudança geral na própria Consolidação das Leis do Trabalho. Não haveria mais a necessidade de abrir contratações por meio de concursos públicos, uma vez que seria possível contratarem empresas de terceirizados especializados na prestação de serviço para exercer atividades que outrora só poderiam ser feitas por concursados. Isso quebra uma norma e altera a relação capital-trabalho não apenas no setor privado, mas também em grande parte do setor público, mudando dramaticamente e colocando à margem a CLT.
SINTPq: Os setores que defendem a aprovação do PL afirmam que a regulamentação da terceirização pode, inclusive, gerar mais empregos. Como você avalia essa afirmação e, caso concorde, qual a expectativa em relação à renda desses postos de trabalho?
Os empregadores não contratam mais trabalhadores quando o custo do contrato se reduz ou deixam de contratar trabalhadores quando os custos do contrato de trabalho se elevam. A determinação do emprego não é dada pelo custo de contratação, mas pela demanda de produtos ou serviços que essa empresa está preparada para realizar. Então a ampliação da terceirização não significaria a elevação do número de contratações, pois isso somente ocorreria caso houvesse a ampliação da demanda e do consumo de bens e serviços que as empresas produzem. Essa regulamentação pode até ter um efeito inverso, uma vez que havendo uma redução nos custos de contratação e consequentemente nos salários recebidos, os trabalhadores consumirão menos. Portanto, impactarão negativamente as empresas que produzem bens de consumo. Então o efeito da terceirização não implicará na elevação de empregos, mas sim em uma redução.
SINTPq: Isso também gera um impacto fiscal nas contas do governo com a redução de arrecadação dos encargos trabalhistas?
Exatamente. Nós já tivemos uma experiência de desoneração da folha de pagamento das empresas e isso reduziu drasticamente a receita e afetou as contas da previdência social. Isso, juntamente com a queda da atividade econômica e a recessão que estamos vivendo, fez com que a previdência começasse a operar com um déficit público considerável. Portanto, a redução custo de contratação também termina impactando desfavoravelmente as contas do setor público.
SINTPq: Como se saíram os países que facilitaram a terceirização? Foram feitas regulamentações na linha do que está sendo proposto no Brasil ou foram experiências muito diferentes?
Há uma variedade de situações em relação ao tema da terceirização em contratos de mão de obra. Há experiências, por exemplo, da Itália através dos contratos coletivos de trabalho que aceitam a existência da terceirização sempre que ela não indicar redução das condições de trabalho e na remuneração dos trabalhadores. Então é possível a existência do terceirizado, mas ele não pode ter remuneração ou condições de trabalho inferiores aos trabalhadores já existentes. Nós temos, por outro lado, experiências como a dos Estados Unidos, onde a legislação trabalhista é relativamente frágil e ao mesmo tempo a própria organização sindical vem perdendo importância nos últimos anos. Esses fatores afetaram os contratos de trabalho e nós temos hoje uma geração de empregos de baixa remuneração. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos as ocupações com mais geração de empregos nos últimos anos foram os postos de trabalho relativos a garçons, vendedores e assistentes de pessoas idosas. São empregos cuja remuneração encontra-se ao redor de US$ 25 mil por ano, ao contrário dos empregos industriais que anteriormente aquele país gerava, em que a remuneração anual encontrava-se ao redor de US$ 120 mil. Então na verdade a terceirização terminou favorecendo uma situação de empregos precários. Para muitos estudiosos nós temos hoje o avanço do chamado ‘precariado’, que é um volume grande de trabalhadores submetidos e regulados por contratos de trabalho com remunerações extremamente baixas.
SINTPq: Como o governo Temer lidará com a questão da terceirização? Quais são as expectativas?
Não há uma orientação clara em relação à questão trabalhista, ao menos em documentos que tenham sido tornados públicos. Entretanto, há falas do Temer como vice-presidente em determinados eventos que participou junto a empregadores e neles ele se manifestou dizendo que os governos liderados pelo PT favoreceram os trabalhadores e que nesse momento o país deveria beneficiar os lucros das empresas e, para isso, seria necessário uma contenção dos salários. Isso é uma fala desprovida de qualquer ato, mas é preocupante enquanto manifestada por alguém que pode estar assumindo a presidência da república com uma postura de defesa, sobretudo, dos lucros dos empresários em detrimento dos salários dos trabalhadores.
SINTPq: Você concorda com a alegação do Temer de que um apoio maior aos médios e grandes empresários neste momento poderia favorecer de alguma forma a economia?
Não credito que o desenvolvimento do país passe pela redução dos salários e ampliação dos lucros das empresas. Claro que em uma economia capitalista os lucros fazem parte da renda gerada, mas para a ampliação da renda é necessário que voltemos a ter um crescimento que repita a ampliação do emprego, até porque a maior parte da renda do país é formada por salários e não por lucros. Então acredito que a recuperação dos lucros das empresas não é suficiente para fazer com que o país supere a recessão e volte a crescer.
SINTPq: Se aprovado, qual o impacto do PL para a representação sindical?
Possivelmente isso impactará diretamente a estrutura de representação de interesse que nós temos hoje, uma estrutura estabelecida a partir de categorias profissionais. Generalizando-se a terceirização, é rompida a ideia de categoria, e isso colocaria em cheque, inclusive, a própria estrutura de representação de interesse usada pelos sindicatos atuais. Então estamos diante de uma nova situação, hoje a representação dos terceirizados é feita em paralelo à estrutura sindical oficial. Podemos lembrar, por exemplo, que nos anos 1980 a categoria dos bancários chegou a ter quase 1 milhão de trabalhadores, sendo 800 mil diretamente contratados pelos bancos e outros 200 mil que na época não eram considerados bancários, mas que exerciam funções diretamente voltadas aos bancos. Com a terceirização ganhando importância nos anos 1990, hoje nós temos ao redor de 2 milhões de trabalhadores vinculados ao setor dos bancos, só que os bancários contratados tradicionalmente e reconhecidos por seu sindicato representam 400 mil. Cerca de 1,6 milhões de trabalhadores estão fora da categoria organizada e os sindicatos tem pouca capacidade de representá-los.