“O Brasil é a 'vanguarda do atraso' quando falamos de regulação da mídia”, disse Dênis de Moraes, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele participou, nesta segunda-feira (29), do lançamento do livro Direitos negados – Um retrato da luta pela democratização da comunicação, organizado por Renata Mielli e publicado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Segundo ele, ferramentas como a obra ajudam a romper o bloqueio em relação ao tema, fator responsável por isolar a sociedade do debate.
Autor do prefácio da publicação, Dênis de Moraes argumenta que a interdição do assunto é 'perversa', feita de forma subliminar e não-ostensiva. “Existe uma ideia, passada pela mídia, de que não é necessário tocar nessas questões, como se o sistema de comunicação altamente concentrado e monopolizado por meia dúzia de famílias fosse algo natural e eterno”, diz.
A 'mitologia conservadora' sobre a democratização da comunicação, de acordo com ele, deve ser contestada em todos os espaços possíveis – só assim, a sociedade perceberá o engodo da qual é vítima. “É difícil contradizê-los e questioná-los quando não existem meios e plataformas suficientes para fazê-lo”.
Crítico à inércia dos governos de Lula e Dilma Rousseff em enfrentar a agenda, ele cita os exemplos de países vizinhos como “oxigênio” para a luta no Brasil. “Quase nada foi feito, nos últimos 12 anos, sequer para atenuar questões que estão ao alcance do Poder Executivo. Isso instaurou um regime de medo no governo, atemorizado demais para comprar a briga”, sublinha.
“O imobilismo e a manutenção de uma legislação anacrônica – cenário muito bem descrito no livro lançado pelo Barão de Itararé – não se repete em países como Argentina, Venezuela, Equador, Bolívia e Uruguai”, pontua Dênis de Moraes. “Estes governos tomaram medidas para mudar o sistema parasitário de comunicação e, mesmo sofrendo um bombardeio da mídia nacional e internacional, que repetem insistentemente um verdadeiro rosário de mentiras, os chamando de 'ditadores' e 'terroristas', as experiências destes países provam que é possível, dentro da lei e da Constituição, introduzir mudanças democráticas na mídia”.
Direitos Negados
Apesar do pessimismo generalizado quanto ao avanço do conservadorismo, o professor acredita que nem tudo está perdido. “Não se trata de algo inatingível, mas é preciso envolver a sociedade, por meio de processos democráticos. Nesse aspecto, não estamos nem no estágio inicial”, diz. “Como falava Antonio Gramsci, temos de ser pessimistas na análise, mas otimistas na ação”.
O livro Direitos negados – Um retrato da luta pela democratização da comunicação é um exemplo de como reagir ao cerco midiático, segundo ele. “A publicação oferece uma visão panorâmica sobre a luta pelo direito à comunicação e a construção de um novo cenário, oferecendo um leque amplo e convergente sobre alternativas possíveis”.
Reivindicando direitos negados
Organizadora da obra que traz 17 reportagens abarcando diversos temas ligados à comunicação, Renata Mielli explicou a iniciativa. “Há uma carência bibliográfica muito grande quanto a esses assuntos e nossa ideia era abordá-los não de forma teórica, mas com uma linguagem palatável aos movimentos sociais e aos trabalhadores”, conta. Há muitos setores, como os movimentos sindical e estudantil, que já incorporaram a bandeira da luta pela democratização da mídia, mas ainda têm uma compreensão relativamente genérica sobre a temática. O livro permite aprofundar e destrinchar pautas importantes”.
Na visão da Secretária-Geral do Barão de Itararé e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a obra trata de pautas emblemáticas, como o direito de resposta, mas também de algumas pouco discutidas, como a publicidade infantil. “Como nenhuma luta sobrevive sem conquistas, também abordamos alguns avanços, como a Lei da TV por Assinatura e a classificação indicativa”, acrescenta.
Renata Mielli lamenta o fato de o governo negar-se a enfrentar a batalha, mas exalta a ação da sociedade civil, que elaborou uma proposta concreta: o Projeto de Lei da Mídia Democrática, de Iniciativa Popular. Por isso, conforme argumenta, o livro traz a íntegra do PL como anexo. “Sempre que falamos de regulação, os grandes meios de comunicação respondem que é censura. Desafio qualquer um a ler o Projeto de Lei e apontar qualquer elemento que configure censura ou cerceamento da liberdade de expressão”, coloca. “Não há bicho de sete cabeças. Quem quer regulação, quer pluralidade e diversidade na comunicação, com garantia de direitos básicos, que hoje são direitos negados”.
Uma boa notícia
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e apresentador do programa Ver TV, da TV Brasil, Laurindo Leal Filho considera que, em meio à onda de negativismo, o livro é uma boa notícia. “A obra dá continuidade a uma série de atividades e ações realizadas nos últimos 15 anos que mostram que a sociedade não está morta para esse tema”, avalia. “Há 20 anos, não estaríamos discutindo o livro, pois até a década de 1990, o assunto era restrito a alguns sindicatos e poucos centros acadêmicos”, assinala. “Hoje, está presente em vários setores da sociedade”.
Segundo ele, comunicação não é tema para especialistas, já que é pertinente a vida de cada um dos brasileiros. “O livro”, pontua Lalo, “faz parte do processo de despertar para o debate”. “A linguagem jornalística possibilita o acesso a um público que não domina a complexidade dos assuntos, mas que terá a clareza de que comunicação tem tudo a ver com o cotidiano”.
Ele cita os exemplos não só do continente, mas também dos Estados Unidos e de países da Europa, que contam há mais de 80 anos com mecanismos de regulação. “Da Constituição de 1988 até hoje, já foram elaborados, por diversos governos, pelo menos 10 anteprojetos para regular a mídia no país. Nenhum saiu do Planalto e atravessou a rua. O misto de deslumbramento e medo que existe no subconsciente político em relação aos meios de comunicação precisa ser superado”.