A diferença entre a civilização e a barbárie

18/08/2016 - 16:00

Atentados contra as garantias do trabalhador são golpes contra a civilização

A diferença entre a civilização e a barbárie

 

Brígido Roland Ramos*

 

Uma paz durável não pode ser fundada, senão sobre a base da Justiça Social. Essa foi a conclusão dos líderes mundiais, vencedores e vencidos, após o fim da 1ª Guerra Mundial. Sobre os escombros da Europa e a sepultura de 50 milhões de trabalhadores, nasceu a Organização Internacional do Trabalho, a fim de induzir as nações a diminuir a desigualdade social, estabelecendo garantias mínimas de remuneração, saúde e segurança no trabalho. 

Quase um século depois, no Brasil e por toda parte, garantias sociais históricas representadas pela regulamentação das jornadas, a proteção contra as doenças e acidentes do trabalho, a proteção do trabalho feminino e a proibição do trabalho infantil, o estabelecimento de aposentadorias e pensões por invalidez, a afirmação do princípio da liberdade sindical, todos esses direitos estão agora ameaçados. E toda vez que se promove atentados contra as liberdades e garantias do trabalhador, é a civilização que sofre um golpe. Estabelecer os direitos do trabalho, encorajar a criação de empregos decentes e desenvolver a proteção social são marcos civilizatórios que estabelecem a diferença entre as sociedades, determinando o seu grau de prosperidade e de justiça social. É por isso que a luta dos trabalhadores por melhores condições de salário e de vida é tão importante. Essa luta é o motor da civilização e a garantia de uma paz universal e duradoura.

No Brasil, após mais de uma década de avanços trabalhistas e sociais, garantias e direitos voltam a estar na mira de forças reacionárias. Michel Temer, o presidente provisório e usurpador, é uma das cabeças dessa hydra, a face visível desse empreendimento sinistro que reúne a vanguarda do atraso, representada por uma elite conservadora, individualista e insensível que, até outro dia, comprava e vendia escravos. O alerta já foi ligado. Direitos básicos serão colocados na berlinda e é imperativo defende-los, para o bem do trabalhismo e da própria cidadania.

E o primeiro desses direitos é o do trabalho decente. Uma das primeiras ações do governo provisório e usurpador será voltar com o nefasto projeto de terceirização. Esse projeto é um genocídio trabalhista e visa legalizar relações de trabalho injustas e indignas, que são baseadas na precarização do emprego, na fragilização de direitos dos trabalhadores e no enfraquecimento da organização sindical e das negociações salariais coletivas. Trata-se um projeto que subverte a lógica da legislação trabalhista e elimina a função social das empresas, afrontando os Princípios da Igualdade e o do Valor Social do Trabalho e da Dignidade Humana consagrados pela Constituição de 1988.

De fato, se o governo provisório e usurpador não for combatido, o país corre o risco de uma grave lesão social ao comprometer direitos trabalhistas e previdenciários em uma escala jamais vista. Nada impedirá as empresas de terceirizarem todas as suas atividades, rebaixando salários, condições de trabalho, saúde e segurança. Nessa nova configuração, empresas são locatárias de mão-de-obra e trabalhadores são meros prestadores de serviço.

Essa redução do valor do trabalho levanta, sem dúvida, questionamentos éticos e morais, mas também tem implicações sobre a economia. A diminuição generalizada de salários e benefícios e a queda do nível de emprego e de consumo fragilizam o mercado interno brasileiro e colocam em risco o desenvolvimento do país. Da mesma forma, os serviços públicos, o equilíbrio financeiro, a regulação e a capacidade de investimento do Estado serão afetados com a diminuição da arrecadação e o aumento das despesas, especialmente com o SUS e o Seguro Desemprego, uma vez que os trabalhadores terceirizados se acidentam mais, adoecem com mais frequência e permanecem menos em seus empregos.

No setor de telecomunicações, a retirada de direitos e garantias da sociedade projetará seus efeitos nefastos por um longo tempo. O governo provisório e usurpador de Michel Temer representa o aprofundamento do monopólio privado das telecomunicações, menor controle do poder público sobre as operadoras e empresas, assim como a eliminação de qualquer chance de o país construir uma verdadeira Política de Telecomunicações, que seja voltada para a satisfação do interesse nacional e capaz de promover a inclusão digital e a disseminação de novas tecnologias.

Nesse sentido, a trajetória dos trabalhadores em telecomunicações, se confunde com a luta por uma Política de Telecomunicações desenvolvi-mentista, inclusiva e nacionalista. Os serviços de telecomunicações e a banda larga devem ser oferecidos a todos os brasileiros, com preço justo e com qualidade, uma vez que a Internet e as novas tecnologias da comunicação são importantes, não apenas como um mecanismo de inserção social, mas como um componente essencial de infraestrutura de suporte à nova economia. Somente o acesso livre e universal à informação e aos meios necessários à sua produção libertam o trabalhador da exploração e fazem prosperar a cidadania, encorajando a liberdade de expressão, o respeito às diferenças e a promoção do bem-estar geral.

É esse o espirito que sempre moveu os trabalhadores em telecomunicações em seu combate por um país melhor e mais justo.  O Brasil ainda possui 100 milhões de brasileiros que não são usuários da Internet e que nunca utilizaram um computador. Em um mundo governado por processos digitais, essa situação é vergonhosa, é inaceitável. Nos recusamos a compactuar com um projeto de sociedade que deixará milhões à beira da estrada, onde uma parte, pequena, usufruirá das benesses de um mundo interconectado e outra estará condenada a ignorância e ao subemprego. Sob a égide de um governo provisório e usurpador, que já demonstrou não ter nenhum compromisso com a universalização dos serviços e a inclusão digital, só podemos esperar o aumento da desigualdade e da exclusão, ou seja, o retrocesso da civilização, a marcha à ré da cidadania.

De outra parte, o céu é o limite para os ganhos das operadoras. Em um ambiente de oligopólio, com regulação frouxa e fiscalização condescendente, onde as empresas determinam sua própria rentabilidade, escolhem os serviços que serão prestados e o tipo de cliente que querem atender, o usuário é sempre o último a saber, mas o primeiro a pagar. Já temos um dos mais caros e ineficientes serviços de telecomunicações do mundo, porém ainda temos muito espaço para piorar. Ainda mais, quando sabemos que a Anatel, agência que deveria defender, proteger e representar o cidadão, está povoada de lobistas e prepostos das elites políticas e empresariais. É lá, em gabinetes fechados, sempre à meia luz, que se decide quem terá direito a cidadania e quem viverá no mundo da servidão e do obscurantismo.  

Outras contas, outras faturas ainda vão chegar nas residências dos brasileiros. Toda sociedade arcará com os custos de uma sociedade mais injusta, mais desigual, menos solidária, mais individualista. O golpe de Temer e da plutocracia brasileira não é apenas um golpe contra os eleitores de Dilma ou contra a democracia brasileira. Trata-se de um ataque direto contra a civilização, contra todos os valores que nos fazem, pouco a pouco, nos distanciar da barbárie, da violência e da ignomínia.

 

ABAIXO O GOLPE! NENHUM DIREITO A MENOS!

 

* Brígido Roland Ramos, Engenheiro Eletricista, Formado pela Universidade de Brasília – UnB, Presidente da Federação dos Trabalhadores em Telecomunicações - Fittel