Foi com grande preocupação que lemos a matéria assinada pelo senhor Juarez Quadros, presidente da Anatel, no Jornal Valor Econômico intitulada: “O marco regulatório das comunicações”. Nela, Vossa Senhoria defende com vigor o projeto 79/2016 – já configurado como inconstitucional, em audiência pública em outubro passado na Câmara Federal -, e contrário aos interesses da sociedade que necessita de ter acesso às redes de telecomunicações, a internet.
Vamos às ilegalidades:
1) Extinção da concessão: está claro na Lei Geral de Telecomunicações no seu artigo 102 que “a extinção da concessão transmitirá automaticamente à União a posse dos bens reversíveis”.
Não cabe, portanto, que as atuais concessionárias – Oi, Vivo e Claro, sem uma nova licitação-, se apropriem de uma infraestrutura pela qual não pagaram em 1998, momento da privatização.
2) Doação de R$ 100 bilhões: sobre este aspecto, ou seja, do valor dos bens reversíveis à União, Vossa Senhoria faz declarações contra o interesse público e a favor do privado ao acentuar a desvalorização do patrimônio público. O senhor afirma: “estrategicamente, tal alteração deveria ter ocorrido em 2010 …quando os ativos provavelmente valiam mais” e que “tal valor será ínfimo em 2025”. Diz ainda: “O Estado reassumiria uma infraestrutura defasada e um serviço com problemas de sustentabilidade, dado o obsoletismo funcional e perda de valor a cada ano que passa”.
Não é verdade, e a Anatel não fundamentou em nenhum momento esta conclusão. Em cima de que dados a agência validou sua afirmação? Ao contrário, o Tribunal de Contas da União, em relatório recente, indica que esses bens estão orçados em cerca de R$ 100 bilhões. Ficará tudo para as concessionárias?
Entre março e julho de 2009 os fiscais da Anatel verificaram que havia cerca de 1 milhão de bens reversíveis vendidos entre 2002 e 2007 sem anuência prévia da agência, conforme define a Lei Geral de Telecomunicações, demonstrando a total falta de controle sobre bens públicos.
Apenas um pequeno exemplo concreto: o prédio localizado na rua Basílio da Gama, no centro de São Paulo, hoje sob posse da Telefônica, localizado numa área nobre e altamente valorizada, poderá ser vendido pela concessionária e tende a se valorizar muito até 2025. Quanto vale toda a rede de cabos, prédios e infraestrutura em geral que ficarão com as concessionárias?
3) Ausência de Garantias financeiras: “o projeto estabelece como condição necessária para a mudança de modelo a apresentação de garantias financeiras (como carta fiança e outras) em valor equivalente aos projetos de investimentos assumidos, que possam ser resgatadas de forma a garantir que os projetos de investimento sejam realizados como definido pelo órgão regulador “, afirma Vossa Senhoria.
A maior parte da infraestrutura que será doada às concessionárias está sob a posse da Oi. Parece bastante improvável que a Oi, que está em recuperação judicial, tenha condições para apresentar qualquer garantia financeira. Ela poderá vender boa parte dos ativos para pagar suas dívidas, em vez de efetuar investimentos. Ou seja, não irá priorizar a implantaçẫo da infraestrutura de rede de comunicação de dados em áreas sem atratividade econômica. Aprofundará a exclusão digital já existente.
4) Renovação perpétua do espectro: Vossa Senhoria afirma que “a renovação do espectro não é um direito subjetivo da empresa, mas sim uma faculdade do poder concedente. A possibilidade de renovação da autorização de uso da radiofrequência não garante ao administrado o direito de renovação do uso de radiofrequência”.
Quem nos auxilia no comentário é o próprio relatório do TCU: “está-se admitindo a possibilidade de trazer novas receitas que beneficiarão a empresa. No entanto, essas receitas não foram previstas no momento da licitação da faixa de frequências e, portanto, não precificadas na oferta feita à época do leilão. Uma afronta ao princípio da honestidade contratual. Dessa forma, mesmo que se demonstre uma eventual eficiência econômica do modelo da ‘consignação eterna’ de espectro proposto pelo Substitutivo, sua aplicação só seria juridicamente admissível para os leilões de faixa de radiofrequências realizados a partir da aprovação da proposição. Do contrário, haveria clara burla às regras estabelecidas pelos procedimentos licitatórios já realizados”.
Reforça esse entendimento o procurador Paulo José Rocha Júnior, que na audiência pública citada acima, afirmou ver “vantagem indevida” às empresas Oi, Claro, Vivo. Para ele “a Anatel não tem um histórico bom de cobranças de metas e investimentos”
Outra possível irregularidade é o fato de que a Anatel formulou uma proposta de Plano Geral de Metas de Universalização esvaziada de obrigações, que vai ao encontro de uma legislação (PLC 79/16) ainda não foi aprovada.
05 Proteste – Associação de Defesa do Consumidor já apresentou junto à Procuradoria Geral da República uma representação em virtude dessas alterações que desfiguram o atual Marco Regulatório das Telecomunicações. Propõe que seja instaurado Inquérito Civil Público, a fim de que sejam apurados possíveis atos ilegais decorrentes desse processo. Destaca que “já estão inequivocadamente configuradas duas hipóteses: o prejuízo ao patrimônio público e o atentado aos princípios da Administração Pública”.
São essas as nossas considerações para sua reflexão. O projeto é ilegal, inconstitucional, afronta os princípios da administração pública que deve, segundo o artigo 37 da Constituição Federal, obedecer os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Ressaltamos a necessidade de maior discussão dos termos das mudanças na legislação de telecomunicações de forma a que, efetivamente, se possa diminuir as diferenças regionais de atendimento, com tarifas módicas e características técnicas adequadas, e não seguir com a maneira açodada e sem maiores discussões com a sociedade, a principal afetada pelas consequências de tais modificações.
Assinam:
Instituto Telecom
Clube de Engenharia
Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro
Fonte: www.institutotelecom.com.br